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"(...) Fiquei pensando quem iria ler aquilo tudo. Mas, por outro lado, quem escreve não fica pensando nisso; escreve porque quer escrever. Depois, quem quiser que o leia - espera o escritor, e esperamos nós (...)". * Livro: Maria Madalena, A Mulher que Amou Jesus

24 de nov. de 2010

A Mitológica Dietrich

Sabe aquele sentimento que lhe arrebata quando você vê, ouve alguma coisa? Pois bem, é assim que tenho me sentido desde o dia em que fui ver a peça “Marlene Dietrich: As Pernas do Século”. Folheando o jornal um dia destes, vi no caderno de programação cultural o anúncio do espetáculo sobre uma das figuras mais icônicas do século XX, sim, amplio os domínios da figura de Madame Dietrich, porque ela não só foi uma das mais belas e talentosas atrizes que se tem notícia, mas destacou-se como uma vanguardista nos costumes e foi atuante na política, em uma época que as mulheres ainda tinham forte “apelo bibelô”.

Na peça Marlene é interpretada por Sylvia Bandeira, atriz conhecida do grande público pelos  trabalhos na televisão, que surpreende, porque além de personificar a musa, canta em inglês, francês e em alemão. Um espetáculo de idas e vindas na linha do tempo, transformando a narrativa em ação envolvente. Confesso que tenho a impressão de que a magia dos palcos, da ribalta,  é capaz de transformar público e artistas em um só!
A história de Marlene Dietrich, começa com atriz já morando em Paris, isolada do mundo, aos 91 anos. Solitária, paga para um jovem entregador ouvir suas memórias. Com um humor refinado, negro por muitas vezes, ela retrocede no tempo e volta à Berlim antes da Primeira Guerra Mundial, passando pelos loucos Anos 20, época que despontou como atriz na Alemanha. Sempre ligada às artes, viu-se entre os maiores artistas e pensadores do país. Passou a ser referência de modernidade... uma transgressora nata. Nesta época casou-se, teve uma filha, mudou-se para Hollywood, afinal já era uma estrela em ascensão. Foi a primeira a usar calças em público, a lançar a "tendência" e definir os termos da androginia, tão em pauta atualmente.

O texto repleto de confidências amorosas com famosos ou anônimos - suas aventuras não limitavam-se apenas  aos homens, mas às mulheres também -  “loucuras” feitas por causa de suas convicções e o apoio que deu como “militante”contra o nazismo, regime que dominava o seu país natal e que passou a considerá-la inimiga dos alemães. Entre um show e outro para os soldados no front, causava frisson entre a sociedade machista da época. Em pouco tempo naturalizava-se cidadã norte-americana.
Como a sua porção cantora foi um sucesso, viajou o mundo durante anos, apresentou-se na década de 1970 no Brasil, no luxuoso Hotel Copacabana Palace. Aos poucos, como não suportava a velhice, se "auto-isolou" na capital francesa. Dona de uma personalidade mordaz, mas claramente lúcida, acreditava que as pessoas não iam a visitar, mas iam a observar. Limitava-se a receber pouquíssimas pessoas.

Ao final da peça, emocionada a platéia aplaudia entusiasmada a personagem retratada e a atriz que de forma incrível defendeu a famosa e inesquecível Marlene, o Anjo Azul. Figurino, cenários, imagens projetadas, luz e músicas, capazes de recriar atmosferas.  O elenco que se revezou em diversas figuras da vida de Dietrich serviram de degrau, ali, no pequeno teatro Solar de Botafogo, para algo que não se vê mais em lugar algum nos dias de exposição midiática de celebridades vazias: Uma mulher ácida, vivaz, que usou dos recursos mentais e físicos para provar que ninguém precisa agradar sempre e nem pedir licença para ser o que é... basta ser honesto consigo e amar de verdade seja o que for, tomando a vida para si, completa e incorrigivelmente liberta.