Crimes contra Frágeis

O Brasil nas últimas semanas tem acompanhado uma novela da vida real. Acostumados aos folhetins diários e quase “tântricos” dos canais da televisão aberta, criamos gosto por dramalhões. Mas desta vez o brasileiro tem acompanhado curioso não as obras de ficção, frutos dos teledramaturgos e sim de uma história trágica de uma família de São Paulo, que ganhou as capas dos principais jornais e revistas e grande cobertura na mídia televisiva, o que torna um momento delicado como este, numa espécie de entretenimento, mas o capítulo que segue-se sem vista de um final e, muito menos com traços de que seja feliz, prossegue sob os olhos atentos de todo o país.

A repercussão deste crime tomou proporções gigantescas e poucas vezes vista por aqui. Há aqueles que dizem que acompanham para ver se a justiça será feita, independente de quem seja condenado, culpado, execrado. Outros porque se comoveram com a brutalidade do crime contra uma menina indefesa, que estava sob os cuidados do pai e da madrasta. E há outros que sentam-se em frente à televisão e simplesmente assistem como se fosse um reality show. Por semanas os telejornais acompanham incansavelmente os passos dos acusados, da mãe vitimada pela dor da perda de uma filha. Entrevistas exclusivas, links ao vivo da frente da delegacia, da penitência, dos condomínios. Passo a passo é reconstruído para remontar a história que tomou o país, como em um flash back.

Fazer da tragédia um show é imoral, claro, que o papel da imprensa é acompanhar, monitorar e cobrar resultados da Justiça, que deve prestar contas com a sociedade e com as pessoas envolvidas, mas fazer da dor alheia audiência soa inoportuno, sensacionalista demais.

O fato é que passamos a ter acesso a dados ainda mais chocantes e muitas pesquisas apontam que os índices de violência contra crianças são maiores que os números oficiais. E que a prática da violência doméstica é uma das principais causadoras de traumas tanto emocionais quanto físicas. Dia após dia, lemos estarrecidos que meninas são mantidas sob cárcere privado, torturadas, abusadas sexualmente ou lançadas pela janela de um prédio. A fragilidade de ser um ser humano nos dias de hoje não limita-se as adversidades do aumento da violência nos grandes centros urbanos, do tempo ou das doenças. O perigo às vezes está dentro de casa.

Há milhares de anos é assim, pais têm os seus filhos, cuidam, dão amor, encaminham na vida, pelo menos é isso que nossa cultura estima, mas a cartilha não tem sido seguida. Parece existir uma distorção de valores. Portanto, acho estranho para onde a humanidade está caminhando. Quanto mais avançamos nos âmbitos da tecnologia, da saúde, do pensar, paradoxalmente nos confrontamos com o nosso primitivismo.

O fato é que a partir deste crime, as atenções voltaram-se para como estamos cuidando das nossas crianças, de que é preciso fazer mais por elas, abrir, arregalar os olhos e não esquece-las assim que a história da menina assassinada de forma covarde chegue ao fim ou surja outro infortúnio mais “badalado”. Que esta indignação passe do simples fato de discurso de palanque ou de boteco para a materialização de ações, tornando-a uma verdade irrefutável, absoluta.